O Doador de Memórias, de Lois Lowry
Em uma sociedade altamente organizada e planejada, Jonas, um jovem rapaz, chega finalmente à idade de exercer uma função. E, mesmo sem ter ideia de qual papel exerceria, para sua surpresa, ele é escolhido para algo que até então era desconhecido por ele, ele se torna um Recebedor de memórias da época em que o mundo não é da maneira que ele conhece, mas é necessário coragem para passar por isso, e Jonas não sabe se possui essa qualidade.
A autora Lois Lory, conhecida por suas incríveis obras infanto-juvenis, traz nessa história uma visão de como seria um mundo ordenado e pacifico. Neste cenário, Jonas cresce com a ansiedade de finalmente se tornar um Quatorze (conceito que se refere a “idade”) e receber seu desígnio na comunidade pela qual é tão orgulhoso quanto todos os outros moradores. É quando o inesperado acontece, e Jonas se torna um Recebedor, um papel desconhecido por ele.
Com tamanha destreza, a autora traz então uma profundidade maior à história: toda a organização dessa sociedade, não fora conseguida sem sacrifícios. É graças ao novo desígnio de Jonas que ele conhece o passado do mundo, e as coisas que deixamos para traz, coisas que poucos suportariam guardar consigo, e por isso a necessidade de um “recebedor”, a única pessoa que pode conhecer a guerra, a fome, a dor, e tudo que acontecera no mundo antes do que eles chamam de “Mesmice”. Mas não é apenas isso, eles também abriram mão de coisas maravilhosas, como a neve, as cores, os sentimentos. É a partir deste momento em que nosso protagonista passa a enxergar além – uma habilidade especial, tenho que dizer (leia e você entenderá).
“Quando não há memórias, a liberdade é apenas uma ilusão.”
Apesar dos momentos totalmente empáticos do livro, a história diminui de qualidade em alguns momentos, quando, por exemplo, não chegamos a conhecer com exatidão como é o processo de “doar” e “receber” memórias. A única coisa que se sabe, é que o Doador (personagem foco do livro) guarda consigo as memórias do passado, justamente para que tais dores e coisas não levem a nova sociedade a ruina, seja por saudade (das cores, por exemplo) ou por medo (de guerras, fomes e doenças, voltarem). A partir do momento em que há essa doação, ele próprio (o doador) perde esse memória; o que e leva a pensar se eu der uma maçã a qualquer, como eu irei me esquecer de que dei isso no exato momento em que o fiz?
Uma outra questão para o leitor é levantada no finalzinho da história, mas não a citarei para não dar spoilers, mas pode se dizer que, apesar de haver muitas comunidades semelhantes à de Jonas, há outros lugares onde as memórias permanecem, onde elas não são ignoradas, e muito menos as coisas boas deixaram de existir.
“Um mundo ideal é um mundo sem dor, guerras, conflitos e desigualdade. Mas também sem sentimentos, cores, desejos ou alegria de verdade.”
Apesar disso, o livro nos dá grandes ensinamentos. De inicio, ele nos passa aquilo do monótono porém legal, mas, logo depois, nos deparamos com a verdadeira face de uma comunidade bem organizada. É o caso dos recém-nascidos gêmeos, onde apenas um dos dois pode continuar na comunidade, para não causar confusão. Sendo feito a escolha (que se resume ao mais pesado), o outro menino passa por algo chamado de “Dispensa”, que é quando alguém pretende abandonar finalmente a comunidade, não se encaixa nela, ou se sente finalmente satisfeito com seu trabalho ali (como é o caso dos idosos). A Dispensa é praticamente a última coisa que um membro da comunidade pensaria em fazer, ou faria.
O livro também reflete um pouco os desejos [não só] da adolescência, chamados de “Atiçamentos”, e como eles são facilmente deixados de lado com uma simples pílula. Pílula essa que Jonas deixa de tomar, mesmo que por acaso, e que, para quem resolver ler o livro perceberá, não é um simples remedinho.
Com um mar de mensagens diretamente para quem busca uma sociedade “perfeita”, O Doador de Memórias nos dá um pouco da Mesmice que seria caso abríssemos mãos das melhores coisas da nossa vida em troca de paz, organização, e justiça. Sei que é uma escolha difícil, afinal, o mundo é uma droga justamente porque nos falta tanta coisa. Mas, e as coisas boas? Elas não superam as ruins? Elas não conseguem vencer as ruins, mesmo que ocasionalmente? Escolher é realmente necessário, quando o equilíbrio pode ser alcançado começando apenas com o desejo de fazer acontecer?
“Quando as pessoas tem liberdade para escolher, escolhem errado.”
Como opinião pessoal, assisti o filme uma vez na televisão e fiquei curioso com o livro. Apesar de haver sim uma necessidade de desenvolver algumas coisas, o filme acaba por complementar o livro em muitos pontos. Ainda quando vi a adaptação para os cinemas, pensei em quanto àquela sociedade – sem memórias, pacifica e perfeitinha – se assemelha com aquilo que muitos anseiam, com relação principalmente a religiões (é uma opinião pessoal, não quer dizer que o livro ou a autora sugerisse isso): chegaremos ao paraíso, adoraremos a (os) Deus (es), viveremos em paz e em comunhão, mas… e o resto? Nossa fé, nossa sensibilidade, nossa dor, nossa história, nossa liberdade? Então, se você tivesse em algum momento escolher, o que seria? Saiba que nem sempre você poderá escolher novamente, mas que tudo parte de suas escolhas, e de como você as aceita.
Isto é Lois Lowry, e isto é ler; questionar, ser, ver, fazer parte.
Abraços, e até a próxima resenha!
Felipe (Élly)
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Categoria: Distopia, Drama, Ficção, Lois Lowry